domingo, setembro 24, 2006

Efeitos da modernidade

Sempre tenho a impressão de que cem anos atrás, ao contrário do que as pessoas dizem, tudo era mais simples pra um solteiro burro que busca a felicidade ou satisfação pessoal. Aliás, muito mais fácil!

Pense comigo! Um solteiro burro, em determinado momento da sua vida sem graça, decide procurar por aquela pessoa que vai FINGIR que o completa. Fingir ! Claro ! E esses fingimentos tantas vezes são tão bem feitos que duram o resto da vida. Mas não é esse o foco da nossa conversa de hoje.

Eu dizia que, em certo instante, o solteiro burro resolve procurar por aquela pessoa que conseguirá convencê-lo de que o amor é menos abstrato do que o povo conta. Na verdade ele não resolve PROCURAR. Procurar é muito pouco. Ele vai ENCONTRAR a tal pessoa. Nem que pra isso perca um braço ou perna.

Determinação. Vontade. Desejo.

São alguns dos muitos combustíveis do solteiro em questão. Solteiro que, aliás, vamos batizar de José pra facilitar as referências daqui pra frente.

Então, José em um momento de vazio inexplicável em sua vida, analisa, julga e determina em um veredicto contra si próprio que sua vida só terá sentido, de agora pra frente, se estiver ao lado de uma pessoa que pareça ser especial.

Essa pessoa não precisa ser especial DE FATO. Se ela souber tapear o José, já serve!

Agora, voltando ao início da conversa, se José tivesse nascido em 1900, homem, solteiro, trabalhador, ele daria início a uma peregrinação de família em família, dentro da sociedade machista e sem sentido da época, pra encontrar a sua noiva e, quem sabe, futura amada.

Então, durante esse processo de avaliação e seleção, ele seria detalhadamente estudado pelo orgulhoso pai da pretendida. Seria examinado através de uma aberturazinha da janela do quarto do andar de cima, entre as cortinas, pela felizarda. E falaria com tom de voz confiante, ao pai, que sua filha teria tudo do bom e do melhor. E que ele não se arrependeria do genro que estaria ganhando.

Se a lábia colasse, se a o pai acreditasse, ele estaria noivando dentro em breve. Então, a partir daí, se não quisesse conversar com a noiva, bastaria não ir em sua casa. A noiva jamais teria permissão pra sair de casa sozinha, em procura do noivo. Ou seja, o contato, a presença, a conversa estaria cruelmente condicionada à vontade do José.

Do ponto de vista da mulher solteira, ela ficaria a espera de um pretendente que apareceria, cedo ou tarde, pedindo sua mão em noivado. Prático e triste. Mais triste que prático. Mas é prático! Ninguém pode dizer o contrário.

Então, era tudo mais simples. Bastava o rapaz comprovar que era um “bom partido” e prometer que não iria desrespeitar a menina, pelo menos na frente da sociedade. Em contrapartida a menina fingiria estar interessada pelo rapaz, e pronto. Fórmula mágica e ridícula. Mas prática.

E veio a modernidade. E sem saber quando, tirou toda essa praticidade. Veja! Hoje em dia você conhece pessoas interessantíssimas pela internet. Interessantíssimas até o momento em que você formula a mesma pergunta de uma forma um pouco diferente, pra pegar as mentiras. E você pega!!

Então, você a bloqueia! Ou seja, você impede que ela saiba que você está conectado na internet. Pra quem não está acostumado com programas de conversa pela internet, essa atitude recebeu o nome de “bloqueio”. E nunca mais volta a conversar com ela. E ela, por sua vez, depois de alguns dias te exclui do programa de conversa. Até aí, tudo bem!

Até agora a tecnologia não atrapalhou em nada. Tudo isso é quase tão prático quanto lá em 1900.

Mas é uma praticidade que não ajuda muito. O problema REAL da modernidade começa quando você ENCONTRA a pessoa certa. Você escreve, pela internet, algumas poucas palavras e fica fundamentalmente surpreso com a resposta. E reformula a mesma pergunta de uma maneira diferente e percebe que ela também reformulou a mesma resposta de uma maneira mais criativa ainda. E você se encanta! Encanta com o raciocínio. Encanta com o humor. Curioso que a tecnologia é a única maneira que permite conhecer as idéias de alguém, sem interferência visual.

Mas até agora a tecnologia não parece atrapalhar tanto. Né?

É! Mas lembre-se que estamos falando de um solteiro burro. E burros independentemente de solteiros ou não, têm severas limitações. Principalmente pra explicar o que passa dentro da cabeça burra de um burro.

Imagine que nosso José se conectou na internet pela primeira vez. E pouco tempo depois conheceu uma menina que dificilmente seria real. Impossível ser real. Ele custa a acreditar na possibilidade de existir alguém tão próxima do que ele considera “a perfeição”. Então não pode ser real. Mas é.

E eles, com esse recurso maravilhoso da internet, passam a se conhecer e divertir. Mas José é um solteiro burro. Pessoas assim não tem idéia do momento certo pra agir. Perdem oportunidades. O tempo passa. José só percebe as oportunidades quando elas estão marcadas no calendário do ano anterior.

Então, José percebe que a grande oportunidade se foi. E mesmo burro, sabe que oportunidades não voltam. Não da mesma forma. Não com a mesma intensidade.

E junto a tudo isso, José entende que ele passou a estar bloqueado por aquela menina que tanto aprendeu a admirar. Bloqueio natural do mundo moderno. Nada demais. Mas um burro não entende “o natural”. Um burro não entende “o normal”.

Em 1900, o solteiro burro não seria rejeitado pela pretendida. Ele seria rejeitado pelo pai. É muito mais fácil aceitar a rejeição do Pai da menina. É uma rejeição mais fria. Analítica. Após a rejeição ele jamais veria a família ou teria contato. Jamais manteria esperança. Ficaria resignado. E partiria pra outra tentativa de convencimento.

O José de hoje revive a rejeição, diariamente, através dos bloqueios e sumiços de pessoa que antes freqüentava seu fim de noite. E, quisesse sofrer mais um pouco, leria as felicidades de sua pretendida, através de Blogs e Orkuts. Magoado cada vez mais pela oportunidade perdida. Leria. Mas essa leitura José não faz. Existe sempre um limite pra burrice. Até mesmo pro nosso José.

Em contrapartida, a modernidade proporciona a ausência de testemunhas. Você é o único que sabe que está sendo colocado de lado. Os constrangimentos são poucos. Quase nenhum. Mas o burro do José não sabe aproveitar essa falta de testemunhas. Por ser burro, ele usa a tecnologia e dá seu testemunho pra quem tiver interesse em conhecer a história sob o ponto de vista de um burro. E assim, ele publica na internet trechos de sua história. Sem revelar nomes ou datas. Claro! Ele é burro mas respeita a privacidade das pessoas.

No fim das contas o José não sabe o que é pior. Os encontros imbecis e práticos de 1900 ou a rejeição revivida dia a dia graças à modernidade.

Se eu estivesse em situação diferente do José eu tentaria dar algum conselho pra ele.

Tentaria.


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